Introdução
No momento de avaliar uma qualquer empresa, há muito mais para pesquisar e entender para além dos resultados apresentados nas demonstrações financeiras, pois uma empresa tem uma natureza muito mais ampla e diversa do que se pode perceber nos números. Um dos aspetos que, na nossa opinião, é fundamental analisar é o seu desempenho a níveis de ética e governo da empresa (o famoso “Corporate Governance”). Existem diversas definições de Corporate Governance, sendo que não existe uma mais correta do que outra, mas, no fundo, este termo refere-se ao sistema existente de direção e controlo da empresa, nomeadamente à relação entre os vários agentes que possuem uma palavra sobre o futuro da empresa. Como sabemos, existem diversos agentes que possuem interesse no desempenho futuro da empresa, como os acionistas, os gerentes da empresa, os credores e mesmo os funcionários da mesma. No entanto, nada nos garante que os interesses de todos estes agentes estejam alinhados, sendo que a evidência prática mostra mesmo que os interesses podem divergir bastante, surgindo assim os problemas de agência (Agency Problems). Estes problemas surgem, geralmente, quando as empresas se tornam publicas, no sentido em que entram numa bolsa de valores e começam o processo de dispersão do capital social, pois os gerentes dessas empresas estão a geri-la, não com o seu próprio dinheiro, mas sim com dinheiro dos acionistas, o que os pode levar a cometer alguns atos pouco éticos ou até mesmo ilícitos. Para ainda piorar a situação, muitos dos sistemas de remuneração dos gestores das empresas estão indexados a um índice de tamanho da empresa no mercado, pelo que, muitas vezes, o único interesse dos gestores é fazer crescer a empresa e aumentar o valor das suas ações, mesmo que para tal tenham de seguir caminhos prejudiciais para o futuro da empresa. Como é natural, em momentos de crescimento dos mercados financeiros (Bull Markets) este tema não é muito abordado porque todos os intervenientes no mercado estão felizes e a lucrar, mas não é por isso que este deixa de ter uma enorme importância no momento de investir. Por exemplo, neste momento, ninguém está preocupado sobre qual a estrutura do Conselho de Administração da Tesla ou qual o programa de remuneração dos gestores da Amazon, porque essas empresas estão a proporcionar bons resultados aos seus investidores. No entanto, em momentos de crise financeira ou queda dos mercados financeiros, este tema ressuscita na discussão entre os investidores e volta a assumir uma enorme importância. Reafirmamos que, para o Clube Finanças, este tema tem uma enorme importância em todo e qualquer momento em que decidamos realizar um investimento.
Estruturas do Conselho de Administração
Um dos mais importantes instrumentos de controlo da empresa é o Conselho de Administração, sendo que este pode apresentar diferentes estruturas consoante a organização da própria empresa e também face à localização da sede da empresa, pois existem claras diferenças entre as estruturas existentes nos Estados Unidos da América e as referentes a empresas europeias. Outra nota bastante importante é que não existe uma estrutura de Conselho de Administração perfeita, pelo que, se na realidade assistimos a variadas estruturas, é porque, à partida, cada uma dessas estruturas é adequada para cada empresa. No entanto, existem alguns padrões que devem ser seguidos de modo a alcançar um bom controlo da empresa, sendo que a maioria deles estão apresentados nos códigos de bom governo da empresa (codes of good corporate governance), escritos pela OCDE.
Em primeiro lugar, antes de abordarmos as diferentes estruturas, vamos perceber em que consiste o Conselho de Administração de uma empresa. Assim, este instrumento corresponde a um grupo de pessoas escolhidas pelos acionistas da empresa que possuem o objetivo de os representar e defender os seus interesses, tomando decisões em seu nome. Deste modo, a maior responsabilidade deste grupo de diretores é proteger os interesses dos acionistas quando estes forem opostos aos interesses dos gestores, pelo que, todas as empresas cotadas em qualquer Bolsa de Valores, são obrigadas, por lei, a possuírem Conselho de Administração (Chen, 2021). Existem ainda outros aspetos da atividade da empresa que são da responsabilidade deste órgão, como escolher a política de dividendos que a empresa vai adotar no futuro, estabelecer os objetivos da instituição e dar apoio às equipas executivas, de modo a que estas possuam todas as ferramentas necessárias para realizarem um bom trabalho. Para além dessas funções, o Conselho de Administração tem o poder de contratar e despedir os executivos (incluindo o CEO) e estabelecer os planos de remuneração dos mesmos (CFI, sem data). Após esta pequena introdução sobre o que é o Conselho de Administração, estamos agora preparados para abordar as diferentes estruturas que podem existir. Tal como referimos anteriormente, não existe uma estrutura perfeita, assim como não existe um número perfeito de membros, variando a dimensão do mesmo, de instituição para instituição. Assim, esta estrutura e composição deste organismo estão estabelecidas nos regulamentos da empresa, em conjunto com outras características da mesma, e devem ser claras e explicitas na obrigação dos membros representar os acionistas, assim como os seus interesses. No entanto, o Conselho de Administração também deve ter representação da gestão da empresa, de modo a ser possível a justificação de certas ações dos gestores para com os acionistas. Seguindo esta linha de pensamento, geralmente é formado por membros executivos e membros não executivos, sendo os primeiros pessoas que estão por dentro da atividade diária da empresa e representam os trabalhadores e acionistas (que dependem da atividade da empresa) e os segundos são pessoas externas à empresa que representam os interesses de agentes que desempenham funções fora da empresa, ou seja, que lhe são independentes. De facto, as grandes diferenças entre as estruturas do Conselho de Administração passam pela maneira como estes dois grupos de agentes estão organizados, sendo que existem estruturas compostas apenas por um único organismo (unitary board) e também estruturas compostas por dois órgãos distintos (two-tier board).
Vamos então abordar as diferentes estruturas existentes em Conselhos Executivos no caso de a empresa possuir uma “unitary board”. De acordo com (Tricker, 2012), existem maioritariamente quatro diferentes estruturas nesta situação, sendo a primeira o caso em que o Conselho de Administração é composto apenas por diretores executivos, pertencendo estes à administração da mesma, pelo que estes agentes têm de estar preparados para separar as suas obrigações de gestor da empresa com as obrigações decorrentes da direção deste órgão administrativo. Esta estrutura é muito comum em pequenas empresas e start-ups ou em empresas subsidiárias porque este tipo de empresas, geralmente, ainda não atingiram uma dimensão que torne necessária a presença de diretores não executivos.
No entanto, há medida que as empresas vão crescendo, existem diversos motivos que justificam a entrada de elementos não executivos, por exemplo, devido ao facto destes agentes trazerem um alto nível de experiência noutras áreas de negócio para dentro da empresa, que pode ser útil em todos os tipos de situações, desde problemas na sua gestão até à entrada da empresa em novos mercados. Para além disso, a entrada de membros não executivos no Conselho de Administração pode ser feita devido a uma obrigação legal da empresa, por exemplo, no caso de a mesma aceitar uma grande entrada de capital de uma fonte externa pode ser obrigada a possuir um membro não executivo que represente essa mesma fonte. Assim, todos estes fatores podem, então, levar a um Conselho de administração composto por uma maioria de membros executivos (que ainda exercem um poder considerável sobre a empresa), mas com alguns diretores não executivos. Este tipo de estrutura era muito comum nas empresas britânicas na década de 1970.
No entanto, hoje em dia, os Conselhos de administração das empresas cotadas em bolsa são compostos, em sua maioria, por administradores não executivos e apresentam cultura e relações internas distintas. Nesse tipo de Conselho, normalmente há um pequeno número de diretores executivos (principalmente o CEO e o Chief Operating Officer – COO) e três ou quatro vezes mais conselheiros não executivos.
No entanto, na maioria dos casos, estes administradores não executivos não conhecem a atividade da sociedade, visto que os critérios de independência indicam que não devem ter qualquer vínculo com a mesma. Deste modo, é-lhes difícil a criação da estratégia que a empresa deve seguir e passam esse poder aos diretores executivos (geralmente, ao CEO), concentrando-se mais na supervisão das atividades executivas e no cumprimento dos objetivos definidos para a instituição. Por último, dentro da estrutura de um único órgão governativo, as empresas também podem ter um Conselho constituído apenas por administradores não executivos. Embora este tipo de estrutura não seja muito comum em grandes empresas públicas, são frequentes em organizações sem fins lucrativos e também em algumas empresas subsidiárias. Neste tipo de estrutura, é relativamente comum convidar o presidente e talvez mais alguns gerentes para comparecerem na reunião do Conselho, mas são convidados apenas para divulgar informações necessárias para que o este possa decidir, e o direito de lhes pedir que se retirem continua nas mãos do Conselho Administrativo.
Como dito antes, a estrutura do Conselho pode variar de país para país, e quando olhamos para as empresas europeias (principalmente, as alemãs), podemos ver que é comum as empresas terem uma estrutura de two-tier board, combinando um Conselho de Supervisão e um Conselho de Executivo, sendo o primeiro inteiramente composto por diretores não executivos e o segundo composto apenas por administradores executivos. Normalmente, esta estrutura deste organismo governativo é dividida em três partes diferentes, uma com o objetivo de representar os funcionários da empresa, outra para representar os credores e a última para representar a sociedade em si. Além disso, é habitual haver diferentes comissões no Conselho, como, por exemplo, a comissão de auditoria, a comissão de remunerações, entre outras. Neste tipo de estrutura, o Conselho de Administração é convidado para as reuniões do Conselho de Supervisão e apresenta a sua visão sobre o caminho e estratégia que a empresa deve seguir, os seus planos de gestão e os orçamentos traçados, mas não tem poder de voto, estando nas mãos do órgão de supervisão comentar e aprovar.
Tal como fizemos no último artigo, vamos olhar para a gigante tecnológica americana para perceber qual a sua estrutura organizacional assim como do seu Conselho de Administração, tendo uma visão critica sobre a mesma. Assim, apesar das mudanças que Tim Cook tem vindo a fazer desde que foi eleito CEO da Apple Inc. em 2011, a estrutura organizacional da empresa pode ainda ser descrita como funcional e hierárquica. O antigo CEO e cofundador da empresa, Steve Jobs, desenvolveu esta estrutura com o objetivo de criar uma visão clara do negócio da empresa e de suas ideias inovadoras.
Como dissemos, Tim Cook está a tentar mudar um pouco este aspeto, focando-se na descentralização do processo de tomada de decisão, para estimular a inovação e a criatividade. Apesar disso, a estrutura permanece altamente hierárquica (Dudovskiy, 2021).
De acordo com o site da Apple, no topo da estrutura da empresa está Tim Cook, o CEO da empresa, seguido por dez vice-presidentes séniores, o Chief Operating Office, quatro vice-presidentes e um “Apple Fellow”. O CFO da Apple é Luca Maestri (que também é vice-presidente sénior) e tem a responsabilidade de supervisionar as operações contabilisticas, dar apoio e suporte nos negócios, realizar o planeamento financeiro e a sua análise, estabelecer as relações com os investidores e também efetuar auditoria interna e funções fiscais, enquanto reporta diretamente a Tim Cook. O COO da empresa é Jeff Williams e é responsável por supervisionar toda a operação mundial da empresa e o atendimento e suporte ao cliente, ao mesmo tempo que também reporta diretamente a Tim Cook, o CEO.
Em relação à estrutura do Conselho de Administração, a Apple possui um modelo unitário, composto por uma maioria de diretores independentes, conforme definido nas Diretrizes de Corporate Governance da empresa. Este documento declara que “é política da Empresa que o Conselho seja composto por, pelo menos, uma maioria de diretores independentes que atendam aos requisitos de independência do Mercado de Ações NASDAQ …” e reforça a severidade do processo da Apple na verificação dessa mesma independência, sendo que os diretores definem requisitos de independência ainda mais rígidos do que os exigidos pelo NASDAQ. Além disso, a Apple tem diretrizes para a escolha dos membros, considerando essenciais o aspeto da formação do indivíduo, das suas competências e habilidades, e se ele/ela possui as características necessárias para atender às necessidades da empresa naquele momento específico. Dessa forma, o Conselho de Administração da empresa conta com apenas um membro executivo, o CEO da empresa, Tim Cook, e sete diretores não executivos. De acordo com o mesmo documento, a sua missão é fiscalizar o CEO e todos os outros executivos nas suas atividades, principalmente nos temas relacionados com a atuação competente e ética da empresa no dia a dia. Assim, assegura que os elevados padrões de responsabilidade e ética estão a ser cumpridos, ao mesmo tempo que assegura o compromisso da instituição com os interesses dos acionistas. O presidente do Conselho de Administração da Apple é Arthur D. Levinson, ex-presidente e CEO da Genentech, que também faz parte do Comité de Remuneração da empresa. A Apple também possui regras relacionadas com a permissão de os seus conselheiros fazerem parte de Conselhos de outras empresas, uma vez que está definido nas Diretrizes de Corporate Governance que nenhum dos membros pode atuar em mais de quatro Conselhos de outras empresas cotadas, e o CEO não pode estar em mais de dois outros Conselhos de administração de empresas cotadas. Os membros deste órgão vital no funcionamento da empresa têm mandato de um ano e não há limite para o número de mandatos que um diretor pode exercer, pois a Apple acredita que é benéfico para a empresa ter diretores que já adquiriram e desenvolveram um bom conhecimento sobre sua atividade e objetivos. Na nossa opinião, o Conselho de administração da Apple parece estar bem organizado, apresentando a maioria dos administradores como independentes, seguindo as recomendações de quase todos os códigos de boas práticas de Corporate Governance. Além disso, o presidente do Conselho de administração da Apple não é o CEO da empresa, pois separam esses dois cargos em duas pessoas diferentes, conforme recomendado pelos mesmos códigos, sendo outro ponto positivo do governo da empresa. No entanto, existem alguns problemas relacionados com o facto de muitos diretores do Conselho estarem ligados a muitas empresas públicas, já que muitos deles estão no Conselho de Administração de três ou quatro empresas públicas. Embora a regra estabelecida pela Apple esteja a ser seguida (nenhum deles está no Conselho de mais de 4 empresas públicas), o facto de eles estarem relacionados com muitas empresas, pode levar a que não estejam totalmente focados nos assuntos cruciais da Apple. Além disso, no passado, a Apple foi investigada pela Federal Trade Comission, porque havia a crença de que a empresa não respeitava a Clayton Antitrust Act, porque dois dos membros do Conselho da Apple também eram membros do Conselho do Google, uma empresa concorrente. No entanto, esse problema está resolvido, pois o Sr. Schmid renunciou ao cargo na Apple e o Sr. Levinson renunciou ao Conselho da Google, com o objetivo de resolver essa questão. Outro aspeto apontado à Apple há alguns anos, pelos seus acionistas, foi o facto de o Conselho não ser diversificado, pois havia apenas uma mulher entre os oito diretores. No entanto, a empresa tem-se esforçado para solucionar esse problema, sendo que, atualmente, existem 3 mulheres e 5 homens no Conselho de Administração.
Conclusão
Após recolher toda a informação presente neste artigo, é necessário refletir sobre as suas principais conclusões. O tema Coporate Governance é bastante subjetivo e amplo, sendo que emgloba praticamente todas as vertentes éticas do dia-a-dia da empresa e deve ser regulado e controlado pelos vários instrumentos existentes para esse efeito. Como vimos, um desses instrumentos é o Conselho de Administração da empresa, que deve ser maioritariamente composta por diretores independentes, mas não possui uma estrutura ótima, sendo da responsabilidade do investidor avaliar essa mesma estrutura, de modo a perceber se os valores defendidos pela instituição estão de acordo com os seus valores pessoais. Nós sabemos que, em momentos de expansão do mercado, não é muito comum os investidores olharem para esta parte da empresa, mas acreditem que se o fizerem podem conseguir prevenir e evitar problemas futuros, nomeadamente em momentos que as bolsas apresentem quedas. Uma empresa que tenha uma má estrutura de Corporate Governance, mais tarde ou mais cedo, vai originar problemas.